-Não me entregue! Precisava do dinheiro para pagar as propinas da faculdade. Desde que duplicaram o preço das propinas vivo na miséria e recusaram-me a bolsa. Por duas vezes. Oh, meu Deus!
E lá veio o chorrilho todo - a história completa. Criada em Benfica, campos de férias em escolas de futebol, pai fanático do Fófó. É a típica miúda que não brincou com Barbies mas sim com uma bola Nike.
-Precisava do dinheiro. Uma amiga minha disse que conhecia um tipo que gostava de falar de futebol com a mulher mas não o podia fazer. Ele estava numa de Selecção! E eu disse, se ele pagar, falo da Selecção com ele. No princípio estava nervosa. Fingi uma data de coisas. Ele não se importou. A minha amiga disse que havia outros. Já fui presa antes. Fui apanhada a comentar a conquista da Liga dos Campeões pelo Porto, num banco de trás dum carro estacionado, e doutra vez fui detida e revistada no Colombo, depois dum jogo do Benfica. Mais uma e sou três vezes desgraçada.
-Então leve-me à Dona Paula. - Ela mordeu o lábio.
-O cabeleireiro do Beauté é uma fachada.
-É?
-Como aqueles compradores de iates que vão para presidente do Benfica como fachada. Vai ver. - Fiz uma chamada rápida para a sede e depois disse-lhe:
-Tudo bem, está safa. Mas fique por estas bandas.
-Posso arranjar fotografias do Pacheco Pereira a ver e a comentar um Guimarães x Braga - disse.
-Fica para a próxima.
Entrei no cabeleireiro do Beauté. A assistente veio ter comigo.
-Posso ajudar? - disse.
-Ando à procura de quem me possa fazer o corte de cabelo do Abel Xavier. Queria saber se é possível?
-Vou ver.
-Foi a Ticha que me mandou - disse eu.
-Ah, nesse caso passe lá para trás - disse. Carregou num botão. Abriu-se uma porta atrás de um secador de cabelo e eu entrei como um cordeirinho nesse trepidante palácio do prazer conhecido como Paula's.
Posters da Selecção Nacional e dos melhores jogadores da actualidade preenchiam as paredes, todo o décor cheirava a futebol. Raparigas pálidas e nervosas, de fato-de-treino e boné esparramavam-se indolentes em sofás, visionando jogos de futebol na TV ou folheando edições antigas de Cadernos A Bola, provocantes. Uma loira com um grande sorriso piscou-me o olho, indicando, num aceno de cabeça, um quarto no andar de cima e disse:
-Fanático de estilos arrojados, hein?
Mas não eram só experiências intelectuais - também ofereciam experiências emocionais. Disseram-me que por 150 € se podia ter uma relação sem intimidade. Por 300 €, a rapariga emprestava-me cassetes do Campeonato do Mundo México 86, jantar, e depois deixavam-nos ficar a vê-la ter uma crise de angústia enquanto a sua equipa (qualquer que fosse) perdia num qualquer jogo. Por 400 € podia-se ouvir um relato da bola com gémeas. Por 500 €, tinha-se o trabalho completo. Uma brasileira magrinha e morena fingia ir buscar-nos ao Colombo, víamos juntos um jogo do Benfica, discutia violentamente, em pleno estádio, as opções tácticas do treinador, insinuando que a mãe do árbitro exercia a sua profissão pela calada da noite, a céu aberto, e depois fingia rasgar o cartão de sócia do SLB (em caso de derrota) - o serão perfeito para alguns. Bela negociata. Grande cidade, Lisboa.
-Gostas do que vês? - disse uma voz atrás de mim.
Virei-me e de repente dei de caras com um verylight apontado à minha cabeça. Tenho o estômago forte, mas desta vez deu uma volta e tanto. Era mesmo a Paula. A voz era igual, mas Paula era um homem. Tinha a cara escondida por uma máscara.
-Não vais acreditar - disse ele - sou do Fafe. No entanto, nem gosto de futebol por aí além.
-É por isso que usas máscara?
-Engendrei um plano complicado para assumir o controlo da Federação Portuguesa de Futebol, mas para isso tinha de me fazer passar por Gilberto Madail. Fui a Badajoz fazer uma operação. Há um médico que dá às pessoas feições de jogadores e dirigentes desportivos - e isso tem um preço. E correu mal. Saí de lá parecido com o Miguel com a voz do Ricardo. Foi quando comecei a trabalhar à margem da lei.
Muito depressa, antes que ele pudesse lançar o engenho pirotécnico, entrei em acção. Lançando-me para a frente, dei-lhe uma cotovelada na maçã de Adão e agarrei o verylight. Tombou por terra como um saco de tubérculos. Ainda estava a choramingar quando a polícia chegou.
-Bom trabalho, Inspector Ventoinha - disse o comandante Piruças. - Quando despacharmos este tipo, a PJ quer ter uma conversa com ele. Uma coisita que mete uns jogadores amadores e umas cassetes dos Donos da Bola. Levem-no rapazes.
Mais tarde, nessa noite, procurei uma antiga cliente minha chamada Tolentina. Era maori. Tinha-se formado com distinção. A diferença é que se tinha formado em Literatura Estrangeira, com Mestrado em Literatura Subsaariana. Soube-me bem!
FIM
1 comment:
O objectivo era não confundir ninguém, daí o I, II e III. Para não haver problema. Relativamente a meninos a ir a casa é só abrir os jornais, eles podem é querer falar de outra coisa. Anda pelos 20 herois/uma hora, ouvi dizer.
Hehehehe
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